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07 agosto, 2005


LARANJAS E FOLHAS DE JORNAL

Cheguei em Brasília na Quinta de manhã e na Sexta me preparei para ir. Comprei 1,5 kg de laranja, enrolei em páginas selecionadas do Correio Brasiliense sobre mensalão, CPMI, correios e etc, e coloquei dentro da sacola laranja – aquela mesma que levava o video-cassete no Minuto Laranja!!!
Cheguei lá um pouco tarde, óbvio que os governantes todos já tinham desaparecido. Sexta-feira não tem nada lá! Quando desci a rampa (aquela de carro) cheguei nos laguinhos azuis bem em frente, e percebi que dessa vez estavam cheios de corante azul, a água que era para ser azul so do reflexo do céu tava azul de corante, igualzinha as nossas aguas! E eu tava de mochila azul, e a sacola laranja, cheinha, mas ninguém me segurou ao entrar no prédio.Preenchi o livro (nome, lugar, ...) e coloquei o adesivo "visitante". Peguei carona num tour com uma guia por dentro do prédio, e fomos visitando o auditório do Senado, o corredor azul cheio de espelhos, e por ali eu ia imaginando deixar laranjas nos cantos, empilhadas, duas ou três ... Mas ainda não conseguia.

Ia pensando no caminho – também antes de chegar lá, desde que comprei as laranjas – o que é que era aquela ação. Como as laranjas iam ser desfolhadas e descobertas, e quais eram as notícias específicas (de até uma semana atrás) que eu tava oferecendo, e também que lugar era aquele pra onde as laranjas estavam sendo levadas. Muita gente olhava para a sacola, e eu como não tenho cara de terrorista, acho que não pareci ofensiva. Mas foi no túnel do tempo (que leva pra o acesso aos gabinetes dos Senadores) que testei a minha vontade de ser arremessadora-de-tortas-de-merengue. Vi o Onix Lorenzoni dando uma entrevista para a TV e logo pensei, "vou oferecer uma laranja!" Mas olhei bem, segurei a respiração, e passei reto, ainda misturada com o grupo do tour, como uma reles mortal!

Na volta, a moça mostrou o corredor da CPMI, ali no fundo estavam vários deles, mas como já não tinha interrogatório, era só uma homarada de terno-e-gravata e muitos jornalistas. Identifiquei de novo apenas o Onix e fiquei por uns instantes acompanhada por um mineiro querido que também queria ver de perto o lugar que disseram que era proibido entrar. E ali a tensão foi aumentando. Fazia sentido distribuir laranjas bem ali, mas ia pensando em mim mesma, na acao solitaria e que eu estaria bem mais solta com os amigos perto, para rir junto, nem que fosse de nervoso! Pensei que se desse uma laranja para um, enrolada num jornal, bem que os segurancas poderiam pensar que era bomba, e eu teria então estragado minha Sexta-feira, numa ação que ia se converter em coisa pseudo-midiatica atingindo poucas pessoas, num fundo de corredor, num momento em que talvez ela (a ação, ou eu?) não ia ser entendida nem numa pequena totalidade. Desisti, com a tesão e a tensão bem ampliada.

Voltei pelo corredor, e em cada canto imaginava uma bolotinha daquelas de jornal, bem bonitinha, que enrolei com jeito de que fotos e palavras ficassem bem gritantes para cima, sendo vistos como pequena esfera estranha, meio lixo, meio tesourinho - porque as laranjas que estavam dentro eram lindas! Bem mais vivas que qualquer fragmento daquele universo de carpete azul e verde, sobrevivente a tanto tempo e pisadas de sapatos de couro, e ansiedades e roubos, e conspirações e projetos. Fiquei feliz de ver que dentro dos salões se haviam instalado mega-teloes que passavam a programacao ora gravada ora ao vivo da tv senado, como congressos, seminarios, ou ainda as sessões nos Senado e Camara, quando estavam acontecendo. Senti que podia ser uma vontade boa de alguém, que deixou mostrar o que acontece dentro daquelas salas, que sao tao dentro e tão escuro-escondido perto da luz gritante dada pela amplitude do planalto.

Seguimos o tour pelo salao verde, e vi ali as mesinhas de centro que eram um lugar perfeito para oferecer as laranjas como lanchinho, como prazer-adocicado dentro das linhas curvas das poltronas e dos azulejos geometricamente severos do Athos Bulcão. Olhei as mesas, os jornalistas que tavam em volta, mas segui adiante, ainda no grupo. Entramos no Plenário da Camara, não tinha ninguém. Quando fui ali dois anos atrás era dia de sessão e lembro bem de identificar lá de cima os deputados que eu tinha eleito, a magrinha Maria do Rosário, o Fontana, e outros tantos, alguns mostrando fotos para os outros, compartilhando revistas, e uma profusão de sons de homens gritando ao microfone numa grande zona. A platéia (onde a gente fica para assistir) tava encerrada por um vidro-fume, que na gestão do Lula mandaram tirar, entao quem quisesse atirar laranjas la de cima, tava liberado! Mas ontem não tinha ninguem para receber na testa, a plenária vazia, sem votação. Saí dali ainda com as laranjas na sacola, e pensei logo que o melhor grupo para distribuir era o grupo do tour que eu tinha realmente me aproximado, e conseguiria conversar mais, talvez sem ser vista apenas como uma possível protestante. Mas percebi as laranjas naquela hora como tao carregadas de tensão, de todo aquele percurso dentro do prédio, do insucesso de jogar na testa do Onix, e pensei que poderia ter sido uma escolha lúcida não ferir ninguem. Pensei em mim, se eu queria que as pessoas me olhassem com uma alguém ofensivo, percebi que não queria isso. Será que pensei demais? Tentei prever demais o olhar dos outros?

Voltei ao salão negro, depois de subir e descer sozinha, passar para os acessos aos prédios-duplos e voltar. Pedi água aos seguranças, que solícitos (como diria a minha mãe!) deixaram eu tomar. Saí pela rampa branca, cheia de sol, e as laranjas pesando na sacola pedindo para cumprir a pequena missão que elas tinham aceitado fazer comigo. Olhei para o lago azul, despejei tudo, as laranjas boiando iam ser descobertas, as folhas de jornal iam se abrir, mostrar tudo de novo o que estava escondido.Queria ter visto as laranjas lindas no azul. E sai rápido, acho que dei sorte de fazer a coisa na troca de posto dos segurancas do exercito, que não vieram atrás de mim. Subi a rampa de volta, em direção aos prédios dos Ministérios, olhando para tras volta e meia, e olhando os rostos daqueles que desciam e tinham visto de longe que alguma coisa pesada tinha sido jogada. Dobrei a sacola laranja, coloquei na mochila e segui atravessando a Esplanada.

Cristina Ribas, do planalto Central
ação (não)realizada no dia 29 de Julho de 2005

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